sexta-feira, 24 de julho de 2020

Crise das humanidades e da filosofia. Vem de dentro ou de fora?

Imagine que se pede a um professor de física para estabelecer a relação entre a queda dos graves e deixar cair no lixo no chão e a consequência para o ambiente? O que esperar? Pois em filosofia tais absurdos são possíveis sem que provoque qualquer espanto até por muitos daqueles que a ensinam.
estudo de Sokal e Bricmont publicado em 1997 foi a machadada final que haveria de ser dada às ciências humanas. Estes dois físicos submeteram um artigo anónimo à revista prestigiada de ciências sociais, Social Text, com erros e absurdos deliberados. O espantoso é que o artigo foi aceite pela revista e publicado. O que os físicos fizeram foi usar jargão científico num contexto de humanidades, mas com relações causais inexistentes ou absurdas. O que pretenderam mostrar foi o abuso das ciências humanas em falar daquilo que não sabe, em estabelecer relações vagas, em fazer da vagueza a sua zona de bem-estar. Um ano após a aprovação do artigo, os físicos desvendaram a aldrabice. A verdade é que o livro estalou o ambiente nos departamentos de ciências humanas (em Portugal creio que nada se passou, apesar da Gradiva em tempo útil ter publicado o estudo entre nós). Mas a partir daí alguns departamentos de ciências humanas procuraram uma revolução enquanto a maioria permaneceu quieta no conforto do vazio pós-moderno. Assim, autores como Foucault ou Deleuze saíram da esfera da filosofia nos departamentos mais revolucionários, ao passo que nos outros passaram a constar dos estudos sociais e literários tais como estudos feministas, movimentos anti sistema, etc. com a clara influência do marxismo cultural. Obviamente a filosofia perdeu prestígio social nestes meios. Passou a ser tomada como uma disciplina de cultura geral, sem grande rigor, uma espécie de narrativa onde tudo cabe desde que tenha a toada da catequese mais elementar baseada, como qualquer catequese, em ideologia (e pouco ou nada em ciência e rigor). Este é o contexto em que se insere o ensino da filosofia em Portugal, ainda que com algumas investidas pelo meio de aprimorar o rigor que a disciplina merece. Mas socialmente passou a ser vista como uma disciplina apenas para aumentar um pouco a cultura geral dos alunos e como muitas vezes eles até chumbam, creio não estar muito distante da realidade se afirmar que muitos pais e alunos até batiam palmas se a disciplina acabasse de vez como formação geral. Os professores de filosofia aperceberam-se deste desprestígio e, em regra, acham que tudo não passa de uma orquestração do mundo moderno para liquidar a liberdade do pensamento. É aqui que eu não estou alinhado com a maioria, pois acho que não existe qualquer conspiração antifilosofia ou que da parte do poder existe uma tentativa de socializar os jovens alunos num ambiente de amorfismo intelectual. Pelo contrário estou convencido que o problema é interno à própria disciplina e ao que muitas vezes dela fazemos, ao alinhar nestas aldrabices de projetos e quejandos que tais com relações vagas com a disciplina. Tal como os dois físicos mostraram, as ciências ditas humanas e sociais perdem em rigor porque fazem abordagens vagas, porque fazem da Zizeckmania uma forma de estar no saber e no conhecimento (em Portugal tivemos um Agostinho da Silva e mais tarde um Eduardo Lourenço, erradamente tomados como filósofos, sem que tenham avançado grandes contributos para a filosofia).
No ensino secundário esta crise é notória quando se aceita pacificamente que existe uma relação estreita entre filosofia e cidadania. Acontece que essa relação não é mais estreita que a relação entre filosofia e conhecimento, filosofia e arte, filosofia e sentido da vida, filosofia e moralidade, etc. Isto é, existem teorias discutidas da cidadania em filosofia política, mas tais teorias estão a léguas daquilo que se quer fazer da cidadania nas escolas secundárias. A filosofia que prestigia a disciplina não se compadece com catecismos e cadernos de encargos políticos feministas, religiosos, da luta pelos direitos dos animais, direitos humanos, etc. E para fazer um ensino rigoroso da filosofia é igual se estamos a discutir o problema dos direitos morais dos animais não humanos ou a justificação epistémica do ponto de partida do conhecimento em geral, apenas pegando em dois exemplos. Esta ideia de que se parte da experiência dos alunos é tão válida na filosofia como na física ou na biologia e não deve ser mais explorada na filosofia do que nestas outras disciplinas.  É por isso que a esmagadora maioria dos projetos de cidadania alojados na disciplina de filosofia, por muito bem intencionados que possam ser, em rigor, não possuem qualquer relação com a filosofia e não passam de logros filosóficos. Ganhe-se então coragem e acabe-se de vez com a disciplina e em seu lugar coloque-se qualquer coisa como “Cidadania e participação”, sei lá...
A professora de filosofia do ensino secundário Maria Alcina Dias escreveu publicou recentemente um artigo no Jornal Público (ver AQUI) onde chama a atenção para a conceção do exame nacional e o retrocesso no ensino das humanidades. Mas outra coisa não será de esperar quando do lado de dentro as ciências sociais e humanas teimam em cavar cada mais fundo a sua cova. Nesta pequena entrevista que dei a um programa de entretenimento na RTP Madeira (ver AQUI), que fez a cobertura do Telensino, abordei esse problema do ensino da filosofia ao defender que o prestígio social da disciplina não é igual ao da matemática, e ao passo que nesta última um professor menos bom é apontado como o culpado do mau ensino, no caso da filosofia, é sempre a disciplina que fica em causa. 
Portanto, quando nós professores, aceitamos pacificamente que na nossa disciplina cabe tudo quanto é ideologia e catequese, quando não nos incomodamos que o Zizeck seja o mais famoso dos supostos filósofos, quando fazemos, mesmo que inadvertidamente, a apologia da vagueza, quando não sabemos distinguir a filosofia dos demais saberes, quando a nossa cultura filosófica parou no tempo, quando aceitamos sem reservas que sejam retiradas horas à nossa disciplina para projetos inócuos ( e a lei nem sequer impõe que tal seja assim, ver Art. 15, ponto 4, DR, 1ª série – Nº129 – 6 de julho de 2018), estamos sem dúvida a cavar a cova para enterrar de vez a disciplina. Não temos, pois, de ter medo nem do rigor nem da filosofia. Também nós, profissionais da filosofia, devemos arrancar a filosofia da social text e das suas imposturas intelectuais.

domingo, 19 de julho de 2020

Filosofia da morte (e da vida)

Diz-se muitas vezes que a filosofia é um saber fundamental, que trata dos fundamentos. E isto é verdade, pois é mesmo assim. A filosofia começa por procurar estabelecer os conceitos com os quais vamos empreender toda a nossa compreensão do mundo. Claro que os saberes são tão emaranhados, complexos e misturados que muitas vezes se estudamos física ou biologia podemos cair na tentação de nem sequer pensar nos conceitos que fundamentam as nossas investigações. Não é de todo raro ler de um Stephen Hawking ou Peter Atkins que a física vai explicar tudo. Ou de um E. O. Wilson, que tal tarefa será completada pela biologia. E por aí adiante. Mas na verdade nenhum saber avança sem alguma mediação filosófica no estabelecimento dos conceitos base. E é exatamente essa noção que ficamos quando lemos este novo e brilhante livro de Pedro Galvão. Pressupondo que muitas pessoas sem formação em filosofia me estão a ler, esqueçam se querem fazer uma leitura de praia deste livro. Quer dizer, leiam-no quando e onde quiserem, mas a sua leitura exige de nós um permanente esforço de compreensão. Todos os livros de filosofia o exigem, certo. Mas neste há uma particularidade que até eu estava inicialmente cético: é que é escrito em diálogo e mistura ficção com a filosofia para, pasme-se, ser um livro de e apenas de filosofia. Claro que o tema seduz ainda mais para a questão dos conceitos fundamentais, já que se trata da conceção que temos de vida e de morte e como é que filosoficamente essa conceção é mais ou menos plausível. Não é um livro de questões fundamentais por ser um livro acerca de problemas da existência e do fim dela, mas por ser um livro de filosofia. Ele é também um livro de panorama já que se propõe a explorar as principais teorias, clássicas e contemporâneas, que disputam estes problemas. É um livro que se avança devagar e se possível sem distrações. Porque o mundo da filosofia é assim, como de resto também o será o mundo de muitos outros saberes, menos os experimentais. Portanto, esta não é certamente uma sugestão de leitura de verão, mas uma sugestão de um excelente livro de filosofia acerca dos problemas fundamentais da vida e da morte. 

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Exame Nacional 2020

Já coloquei os links para o exame na página do blogue dedicada aos Exames.