segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Filosofia e flexibilidade curricular, o processo

(Ribeira, Porto)

Regresso um pouco mais cedo que o prometido. Em altura de férias há mais tempo disponível para algumas pesquisas e reorganização do blogue. Para tal criei uma nova página neste blogue dedicada à flexibilidade curricular e às novas orientações para 2018-19. É dado adquirido que a flexibilidade curricular é para entrar já este ano letivo pelos currículos adentro. Mas os documentos produzidos até agora e que implicam alterações nos programas ainda são provisórios. E tenho dúvidas que este trabalho esteja já preparado na maioria senão mesmo em todas as escolas do país. Também, mais uma vez, não se sabe (pelo menos de modo oficial) os autores de tais alterações. Já se sabe que estas alterações muitas das vezes refletem visões e interesses particulares e já andamos há tempo suficiente nisto para perceber como alterações a currículos podem beneficiar interesses privados e particulares. 
No caso da filosofia as alterações não são radicais (o que produziria grande berraria, por certo, se o fossem). São alterações de “surdina”. A que produz maiores modificações é a introdução da lógica proposicional como obrigatória logo no 10º ano. Há naturalmente razões que ficam por esclarecer, até porque nada se pode esclarecer com autores anónimos e ministérios autistas que apenas colocam documentos sob auscultação geral para inglês ver e afirmar uma pseudodemocracia. Uma das principais razões é a dos manuais. Então e agora os manuais adotados ficam desautorizados para lecionação? Nada grave, pois apenas a lógica tem de merecer atenção. Mas noutros tempos, pequenos erros, imprecisões, etc de manuais também não deveriam ser graves, certo? Ao mesmo tempo as associações de filosofia promovem algumas formações pagas sobre o assunto e disponibilizam de forma algo confusa documentos que mais não são do que as sínteses e resumos dessas formações. Algumas das formações acenam com a bandeira da flexibilidade e das alterações curriculares, mas depois o conteúdo, ainda que de qualidade, nada tem que ver, pelo menos em parte, com as alterações ou a própria flexibilidade.  Mas pelo menos pela primeira vez nos últimos anos temos as duas principais associações ligadas ao ensino da filosofia unidas para um mesmo fim. Só temos todos a ganhar. Os que outrora se criticaram agora estão a trabalhar conjuntamente. A vida é assim e neste caso para bem de todos. Isto apesar que devo recordar que as “zangas” de outrora foram provocadas exatamente por diferendos em alterações a currículos, alterações essas que de um lado e de outro, tanto arrastavam razões pedagógicas como interesses particulares. 
Do meu ponto de vista, pedagogicamente estas alterações são bem vindas, mas vão acabar por ter mais implicações no trabalho de meia dúzia de pessoas do que no ensino da filosofia de um modo geral. Dá igual que se ensine a lógica ou uma suposta diferença entre juízo de facto e de valor se a forma de ensinar e a prática pedagógica for exatamente a mesma. Não estou a defender que sendo assim nada se deva alterar. Estou apenas a supor que as alterações curriculares acabam por beneficiar mais um pequeno grupo de pessoas e os seus interesses (mais ou menos honestos, como tudo) do que o ensino da filosofia. E a sobra de estranheza é que mesmo vindo de quem muitas vezes é critico em relação a trabalho feito em cima do joelho, a forma como a flexibilidade é “imposta” ´é em cima do joelho. Posso supor que não haveria outra forma de “melhorar” um pouco as coisas. E o problema é exatamente esse: é que apenas posso supor. Não posso saber nada, a não ser que de um dia para o outro as coisas vão mudar na minha sala de aula. Felizmente estou preparado. Aliás, mesmo sem qualquer projeto rápido de flexibilidade e alteração a currículo, já estava preparado. 
O que é que se ganha com estas minhas considerações? Em boa verdade apenas registo a indignação de mais uma vez verificar que tudo se faz igual, com os mesmos processos, as mesmas tiranias e golpes de outrora. Tudo na boa fé da preocupação pedagógica de sempre. Mas isso é o que todos defendem. Portanto, na filosofia, tudo continua igual por igual com igual. Apenas se mudam os postos de controlo. Mas ninguém tem de engolir a seco, pois afinal o lugar crítico da razão parece escassear em qualquer lugar, mesmo onde ele mais se apregoa.