segunda-feira, 9 de março de 2020

Uma pequena sugestão para uma teoria não essencialista da arte

Com as aprendizagens essenciais, as teorias da arte não essencialistas passaram a ser de lecionação obrigatória no 11º ano. Ora, se ensinamos teorias essencialistas seria redutor não abordar teorias não essencialistas. E de algum modo esta sistematização teórica beneficia alunos e o ensino da filosofia, pois lava a cara à disciplina, retira-a das imagens por vezes confusas e bolorentas com que é ensinada, além de remeter para os grandes debates filosóficos de todos os tempos sem parar num qualquer século passado. Outra questão é saber se este é o modo mais adequado de ensinar filosofia ou se é estritamente necessário que se ensine com esta sistematização no secundário. Por exemplo, na universidade nunca ouvi falar de tais coisas na disciplina de estética e o debate passou ao lado. Em seu favor andei a ler textos de autores obscuros e que nem sequer entram no debate. Isto por si só, pensando que aconteceu à esmagadora maioria das pessoas que estudaram filosofia na universidade e que são hoje em dia professores do secundário, é causador dos maiores equívocos e “ignorância” em relação ao que de interessante e profícuo tem o debate nesta questão (nas outras não foi muito diferente o curso).
Alguns elementos da teoria institucional já apareciam ocasionalmente em manuais e eram ensinados por alguns professores. Eu próprio já fazia esta distinção entre teorias essencialistas e não essencialistas e cheguei até a usar textos de Goodman para explorar um pouco mais alguns aspetos de teorias não essencialistas. Claro que com as dificuldades inerentes a um professor do secundário que tem de se tornar um semi especialista nas grandes áreas da filosofia, o que não é de si tarefa fácil ou simples. 
Ainda há pouco material sobre as teorias não essencialistas (já que para as essencialistas há algum uma vez que já se ensinavam essas teorias) e o que tem aparecido são repetições de algum trabalho que estava já feito e nem sempre didaticamente cuidadoso (dar esses materiais a alunos não os conduz à compreensão das teorias). Por isso, nós, professores, temos de traçar itinerários que ajudem os alunos a compreender os aspetos centrais das teorias e a sua pertinência. E não, nem sempre aquele truque de relacionar com o quotidiano dos alunos funciona (eu diria mesmo que quase nunca funciona, mas isso é outra conversa). 
A teoria histórico-institucional compreende-se bem se articulada com uma das insuficiências da teoria institucional na versão simplificada de Dickie, que é aquela que nos é exigida no secundário. E segundo essa se um objeto pertencer ao mundo da arte, então pode ser que seja um objeto de arte. Isto parece não explicar de todo como funciona o mundo da arte. Senão numa aula apontaríamos para a nossa garrafa de água e poderíamos dizer que uma vez pertencendo ao mundo da arte, seria uma obra de arte. Eventualmente sim, se essa garrafa for sujeita a todo um escrutínio pelas pessoas e instituições da arte. A ideia de Levingson é afinar alguns aspetos da teoria e por isso remete para o conceito de propriedade. Isto é, não basta que um objeto passe a pertencer ao mundo da arte para ser considerado arte. É preciso que o criador possua direitos de propriedade sobre esse objeto. Bem, como não possuo direitos de propriedade sobre muitos objetos, não basta assim que os inclua de algum modo no mundo da arte, para que passem a ser objetos de arte. É preciso, segundo Levingson, que tenha algum direito de propriedade sobre o objeto que se quer ver como objeto de arte. Isto para além da necessidade de ver esse objeto no curso histórico da arte, com uma intenção clara de que ele seja visto como objeto de arte. No âmbito de uma teoria não essencialista estes aspetos não são de facto de deitar fora se queremos saber o que pertence e não pertence ao complexo mundo da arte. Esta fotografia mais abaixo foi um registo feito pelo inglês Richard Long. O que ele fez foi caminhar de um lado para o outro até que a relva ficasse com aquela aspeto amachucado. No final registou em foto. Uma vez que Long não tem direitos de propriedade sobre a relva e o terreno que pisou, será que ele produziu uma obra de arte? Parece que ele teve pelo menos alguma intenção que o seu feito fosse visto como arte ao registá-lo no final de o conceber. Em que ficamos? 

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