quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Empregabilidade em Filosofia

Recupero aqui um antigo texto meu:




O Vitor Guerreiro no blog da Crítica chamou a atenção para um interessante artigo que mostra o crescente mercado de emprego para licenciados em filosofia no mundo anglófilo. O que o artigo diz não é nada de novo. Resumidamente refere que a licenciatura em filosofia habilita os estudantes de capacidades analíticas e críticas que são muito aproveitáveis no mundo dos negócios. Ora bem, isto soa estranho no nosso país por duas razões especiais:
1) Porque existe o preconceito generalizado de que a filosofia não serve para ganhar dinheiro. Aliás, um dos clichés de muitos licenciados em filosofia é que foram para o curso por pura vocação e não para ter um emprego (cliché usado por muitos que fazem da filosofia o seu primeiro sustento). A vocação é sem dúvida importante e nem toda a gente tem vocação filosófica. Mas não há problema algum em fazer da filosofia uma fonte de rendimentos. Eu faço ao ensinar filosofia e estimo a minha profissão precisamente porque me pagam para estudar e ensinar o que mais gosto, filosofia.
2) A. Porque os cursos de filosofia em Portugal pura e simplesmente não desenvolvem qualquer capacidade crítica nos estudantes. O que desenvolvem é admiração cega pelos pavões. Por muito desagradável que possa ser, a realidade é esta. Na maior parte das disciplinas dos cursos de filosofia, o estudante limita-se a seguir a tese do mestre, sem qualquer possibilidade de a discutir.
B. as teses dos mestres dos cursos de licenciatura em filosofia em Portugal não são também, na maioria das vezes, sequer, teses que se discutam porque não obedecem a qualquer estrutura do discurso argumentativo.
Por estas razões que aqui toscamente abrevio, quando falamos de filosofia não estamos a falar do mesmo se nos referirmos a Portugal e aos Estados Unidos, por exemplo. Aliás, o artigo refere a importância do estudo da lógica formal. Ora o estudo da lógica nos cursos em Portugal aparece como uma disciplina isolada que não tem qualquer aplicabilidade nas restantes disciplinas. E não tem pois os outros mestres nem sequer sabem lógica, desprezando-a.
Finalmente uma observação: já por diversas vezes referi que não interessa se os mestres da filosofia em Portugal fazem ou não estudos singulares e bons. Sobre isso nada tenho a dizer. O que coloco em causa é que os estudantes não foram estudar filosofia para se tornarem admiradores dos mestres, logo, não tem que levar com as suas teses mais sofisticadas. Tem de ter a base e é essa base que os mestres deviam ensinar, dotando os estudantes das capacidades básicas para poderem eles também, um dia produzir as suas teses. Muitas vezes ouço profissionais da filosofia queixarem-se que o mundo de hoje não está preparado para compreender a filosofia. Não alinho neste discurso e ele é até falso, já que nunca como nos nossos dias existiram tantos cursos de filosofia e tantos filósofos, de resto, exactamente o mesmo que se passa com a ciência. Agora é possível que a imagem pública da filosofia em Portugal ande bastante por baixo. Mas isso não se deve a que as pessoas não liguem à filosofia. É que a filosofia que se pratica nos nossos cursos não desperta qualquer interesse para a maioria das pessoas e assim não é de estranhar que os cursos fechem e que a filosofia do 12º ano tenha tido uma morte sem ninguém se dar conta, nem mesmo os mestres da universidade, que desprezaram tanto o secundário, mas que sempre viveram na sombra dele. A seu tempo regressarei a estes temas.
A imagem é do performer Stelarc

Está originalmente publicado AQUI

3 comentários:

Unknown disse...

Olá,

Eu gostaria de expor minha opinião sobre isso. É claro que ter conhecimento filosófico não impede ninguém de ganhar dinheiro, SE você seguir certa corrente filosófica, a saber, uma que não esteja em desacordo com as demandas de mercado (e não necessariamente com em desacordo com os seus mestres). Pois seria uma contradição alguém se opor a uma coisa e se subordinar a ela, e por outra seria também uma contradição o mercado aceitar um profissional que basicamente luta contra seus próprios interesses. Em algum ponto nessa relação tem que haver uma mentira.

O mercado não está fechado para todas as filosofias. Obviamente há modos de filosofar que podem ser interessantes para nossa sociedade. Nenhuma sociedade, por mais totalitária que fosse, descartou a filosofia por completo. Porém, ao rejeitar, pela suas exigências inalienáveis, algumas das correntes filosóficas, nossa sociedade rejeita a filosofia como um todo. Ela a aceita seletivamente: separando o que é útil para ela do que ela considera inútil, pernicioso ou mortal. Assim, concluímos também que nenhuma sociedade, por mais plural que fosse, jamais aceitou a filosofia como um todo.

Em outras palavras, o mercado não rejeita a filosofia, ele rejeita os filósofos que o criticam radicalmente. Aqueles que escolheram assuntos que não interferem demais nos negócios escusos da sociedade (especialmente esses que assumidamente desprezam as condições desse mundo), e podem até ser úteis para a perpetuação e desenvolvimento desses negócios, obviamente serão aceitos, na medida em que se fizerem necessários, é claro. A lógica do capital diz que se você recebe migalhas, ou não está exigindo mais do que isso, ou seu trabalho não é realmente necessário. Mas invente uma forma de deixar um rico ainda mais rico, e você vai ser valorizado, e quem sabe até ajudar a "sociedade" nesse processo.

Rolando Almeida disse...

Olá Janos,
Muito obrigado pelo interessante comentário. Só há um aspecto que eu discordo parcialmente já que estou crente que não se ajusta a uma leitura linear que é a ideia do mercado "recusar" autores que o critiquem. Não penso que assim seja e note até que criticar por criticar, mesmo sem grande fundamento, reune grande acolhimento comercial junto do público.
abraço e obrigado uma vez mais

Anónimo disse...

Devo de admitir que a minha escolha entre a carreira de Direito e a de Filosofia pesou bastante o tema económico. O Prof. como já sabe, eu não tenho nenhum inconveniente com o estudo da filosofia e acho que é indispensável hoje para ter uma formação que não dependa exclusivamente da empregabilidade da pessoa e das expectativas que tenha postas no mundo dos negócios. Também penso que devemos de estudar aquilo para o que temos vocação e não o que nos reporte mais dinheiro.

No entanto, ainda assim preferi escolher a carreira de Direito. E não só pelo tema económico, pois não é um percurso precisamente fácil para a maioria das pessoas. Também acho que entendendo o sistema como funciona é possivel desenvolver un pensamento crítico sobre o mesmo, e poder assim criticá-lo ou criar as nossas opiniões com um certo fundamento.

Ainda assim, lendo isto que você pos, fico sempre com a dúvida se escolhi bem. :)