quarta-feira, 26 de maio de 2010

Porque é que há sociedades mais cultas que outras?


As imagens mostram a capa e índice de um livro que tenho aqui em casa do ensino secundário inglês. Trata-se de um livro preparado para adolescentes, um textbook. É certo que não tem imagens coloridas como os manuais portugueses. Mas fiz questão de passar no scanner o índice para que se veja o que os jovens andam a estudar em Inglaterra quando estudam filosofia e filosofia da religião. Se repararmos bem, os jovens ingleses discutem o problema da existência de deus. Se estudam o argumento do design inteligente, também estudam as objecções de David Hume a este argumento. Estudam o argumento ontológico, mas também estudam as objecções. E os nossos estudantes quando é que discutem estes problemas? O programa do secundário de filosofia tem um tema no 10º ano, de opção que se chama pomposamente : “Valores religiosos”. E à excepção de um ou outro manual que faz um trabalho mais sério, a esmagadora maioria dos estudantes vão aprender coisas tão profundas como saber distinguir entre o sagrado e o profano. Conclusão: os jovens estudantes em Portugal fazem o ensino todo sem algum dia terem, sequer, percebido que a coisa se pode discutir e argumentar usando uma faculdade muito humana, a razão. Deve ser isto que explica que a maioria das pessoas não sabe pura e simplesmente discutir religião, não sabe que o problema da existência de deus é um problema filosófico em aberto e que os filósofos desde sempre debateram estas coisas. Em contrapartida temos manuais cheios de fotos lindas e coloridas. Isto, do meu ponto de vista, é subestimar a inteligência dos nossos jovens. Já me faz lembrar aquela tese paternalista e muito na moda em Portugal que não devo ensinar os números e as letras ao meu filho senão ele quando chegar à escola se desinteressa pela escola. Pudera, um puto com a inteligência desenvolvida apercebe-se logo que a escola não lhe valerá de grande coisa para aprender.    

8 comentários:

Unknown disse...

Meu caro, e aqui no Brasil, onde passamos quase 40 anos sem ensinar filosofia nos nossos jovens?

Carlos JC Silva disse...

Não teria assim tanta certeza da superioridade inglesa em termos culturais. Assim como não sei, sequer, se a cultura dos Índios Sioux, por exemplo, é inferior à nossa.
Nem creio que, a verificar-se a referida "superioridade" inglesa, tal se deva ao facto de se discutirem argumentos a favor - ou contra - a existência de Deus! E também não sei se na Inglaterra a Filosofia faz parte dos currículos do ensino secundário.
Enfim, um mar de dúvidas. Mas como pensaria o francês Descartes, a "dúvida" pode ser construtiva. Pior que a dúvida, só mesmo o erro e a ignorância, sobretudo a inconsciente!
Partilho, no entanto, de uma impressão. A impressão de uma "insustentável leveza", como diria Kundera, na forma como são abordados e/ou interpretados, em alguns manuais, certos conteúdos programáticos. Uma leveza a rondar o vazio, o vago, o nada.
Não por causa da distinção do sagrado e do profano, conceitos que não deixam de ser nucleares, particularmente as concepções de "tempo" e "espaço" para a consciência dita religiosa. Mas, sobretudo, pelo modo aligeirado como este e outros temas são abordados.
A questão dos argumentos a favor (ou não) da existência de Deus, bem ao gosto de uma certa orientação filosófica, é importante, na minha óptica, se bem que a conclusão a que se chega após as objecções aos referidos argumentos seja sempre a defesa do agnosticismo, na melhor das hipóteses; na mais radical, o ateísmo.

E, já agora, fica aqui uma sugestão, por sinal em inglês:

"The God Question"
Andrew Pessin

CJ

Rolando Almeida disse...

“Não teria assim tanta certeza da superioridade inglesa em termos culturais.”
Se eu falasse que a cultura portuguesa é superior à Marroquina talvez se percebesse melhor  Carlos, falando a sério, eu estou a referir-me à cultura de ensino e à cultura liberdade e de discussão de ideias que estão, todas elas, correlacionadas.
“ Assim como não sei, sequer, se a cultura dos Índios Sioux, por exemplo, é inferior à nossa. “
Já expliquei isto. Ficou claro?

“Nem creio que, a verificar-se a referida "superioridade" inglesa, tal se deva ao facto de se discutirem argumentos a favor - ou contra - a existência de Deus!”
Também, Carlos. Também se deve à liberdade e conhecimento que as pessoas têm para discutir livremente, com menos preconceitos.
“E também não sei se na Inglaterra a Filosofia faz parte dos currículos do ensino secundário.”
Não sabes mas podes perguntar que eu digo-te pois eu sei. Não é obrigatória como é em Portugal. É uma disciplina de opção. Curiosamente tem um sucesso enorme. Pá, as pessoas gostam de discutir. Há mais gente- proporcionalmente - interessada em fazer tal coisa, mais que em Portugal.

“Enfim, um mar de dúvidas.”
Mas já te desfiz algumas.
“Mas como pensaria o francês Descartes, a "dúvida" pode ser construtiva. Pior que a dúvida, só mesmo o erro e a ignorância, sobretudo a inconsciente!”
O pior é que Descartes errou e muito. E isso não lhe retirou qualquer mérito. Queres ver um erro cartesiano? Então não parece que a ignorância consciente em alguns casos é bem pior que a ignorância inconsciente? Um ignorante que tenha consciência pode ser um parvo se não fizer nada para sair dela, ao passo que uma pessoa que não tenha consciência da sua ignorância pouco pode fazer para sair dela.

“Partilho, no entanto, de uma impressão. A impressão de uma "insustentável leveza", como diria Kundera, na forma como são abordados e/ou interpretados, em alguns manuais, certos conteúdos programáticos. Uma leveza a rondar o vazio, o vago, o nada.”
Só que essa não é a leveza que falava o Kundera. A leveza que fala o Kundera é uma coisa que não se sustenta, logo, é pesada e forte. Não achas? É como o “ser”. É, segundo Kundera, pesadíssimo. Por isso tem uma leveza insustentável.

“Não por causa da distinção do sagrado e do profano, conceitos que não deixam de ser nucleares, particularmente as concepções de "tempo" e "espaço" para a consciência dita religiosa.”
Desculpa? E qual é a relevância filosófica da coisa para se ensinar a jovens estudantes de 15 anos? Principalmente, qual a relevância se considerarmos que se passa por cima da base?
“Mas, sobretudo, pelo modo aligeirado como este e outros temas são abordados.”
Podemos sempre tentar fazer melhor, não te parece?

“A questão dos argumentos a favor (ou não) da existência de Deus, bem ao gosto de uma certa orientação filosófica”
Qual orientação? A de S Agostinho, S Tomás, Richard Swineburne, Platão, Russell?
“, é importante, na minha óptica, se bem que a conclusão a que se chega após as objecções aos referidos argumentos seja sempre a defesa do agnosticismo, na melhor das hipóteses; na mais radical, o ateísmo.”
Não me parece que tenha sido essa a conclusão de S Anselmo, S Agostinho, S Tomás ou R. Swineburne. Estás enganado e bem enganado.

“E, já agora, fica aqui uma sugestão, por sinal em inglês:

"The God Question"
Andrew Pessin”
Não o tenho mas já passei os olhos por algumas partes e é uma boa referência.
Obrigado e abraço
Rolando

João disse...

Suponho que a "filosofia da religião" será tratada nas aulas de Religião e Moral.

Não percebo o cabimento que um manual de 200 páginas sobre o tema religioso, digamos assim, possa ter numa disciplina de filosofia do 10º ano de escolaridade.

Estas observações nada minimizam os reparos que faz aos manuais portugueses. Há uns anos vi uns manuais japoneses de matemática, do secundário, editados nos EUA, e fiquei maravilhado com a clareza e a simplicidade do tratamento das matérias - que não desprezava notas históricas.

Carlos JC Silva disse...

Obrigado pelo esclarecimento.
Dissipei as minhas dúvidas - não erros - em relação à obrigatoriedade do ensino da filosofia em Inglaterra.
Dito isto, pensava, erradamente, que em Portugal havia liberdade de expressão para se poderem discutir, livremente, ideias. Estava, afinal, enganado.
Mas quanto à ignorância consciente, pelo facto de o ser consciente, é meio caminho para sair desse estado. Já a ignorância inconsciente...
Quem sabe que não sabe, sabe mais do que quem pensa que sabe mas não sabe. Ou não será? Não me parece, enfim, que tenha sido esse o "Erro de Descartes". Não era tão tolinho a esse ponto. Até fundou a Geometria Analítica, vê.
Quanto a S. Anselmo, que Deus o tenha e que descanse em paz. Mas que o seu argumento é imperfeito, lá isso é...

Au revoir
CJ

Rolando Almeida disse...

NNão João, está a fazer uma confusão enorme, mas muito comum entre religião e filosofia da religião. A religião defende um credo e defende, por exemplo, que deus existe e dá sentido à existência. Ora a filosofia da religião discute problemas como: será que deus existe? Pode a existência de deus dar sentido à existência? As aulas de religião e moral não servem este propósito já que a ideia é a disseminação de valores religiosos. São campos distintos.
De facto não fazia qualquer sentido um manual de 200 páginas para um programa de filosofia do 10º ano, como não fazia sentido um de 200 pp de filosofia da arte ou filosofia da mente. o problema foquei é que todos os manuais portugueses abordam a religião sem que no entanto seja filosofia da religião. E isto é que não faz qualquer sentido já que é ignorar toda uma tradição de filósofos que discutiram os problemas e em seu lugar colocar uma conversa qualquer que é tudo menos filosofia.
Infelizmente esta é uma realidade extensível a outras disciplinas. recordo o caso, há uns anos, de um manual de português que substituiu autores de língua portuguesa e em seu lugar colocou as regras de um concurso televisivo.

Rolando Almeida disse...

Carlos,
A liberdade de expressão é proporcional ao conhecimento e cultura das pessoas. Mas não era isso que estava em causa. O que estava em causa é que o ensino da filosofia da religião e o conhecimento da mesma é praticamente nulo. Senão dê-me lá um só nome de um livro de filosofia da religião, um livro que seja acessível às pessoas, que as ponha em contacto directo com a discussão e que esteja traduzido em português? Se conseguir pago-lhe um jantar. Infelizmente não há. Não sei se não há porque os editores não se interessem ou porque pura e simplesmente ignoram a existência de tal coisa ou porque não podemos ter tudo ao mesmo tempo e andamos uns anitos atrasados em matéria de discussão de determinados problemas.
O Descartes, como qualquer ser humano, por muito genial que seja, também diz tolices, o que não faz dele um tolinho. Ou o Carlos acha mesmo que a alma se une ao corpo pela glândula pineal? Mas foi o fundador da geometria analítica que o disse :-) Á luz do conhecimento que temos hoje tal coisa é tola. Acontece que temos de dizer muitas tolices antes de conseguir dizer uma meia verdade. É preciso é ter a coragem de dizê-las.

Anónimo disse...

Acabo de entrar em um curso universitário de filosofia no Brasil, e mesmo no ensino superior a discussão dos problemas é tomada pela história das idéias. Ano passado o conteúdo programático era dividido em três eixos: estética, filosofia e ciência, e por último ética e cidadania. Os problemas abordados pela disciplina filosofia da religião não eram sequer vistos, muito menos lógica.